sexta-feira, 29 de maio de 2009

19.05 - Mumbai

Acordei cedo com a barulhada dos sem-educação do vagão, mas fiz a linha egípcia, virei de costas e fingi que estava dormindo. Acordei com uma mulher que tinha colocado o celular dela pra carregar na tomada que ficava na minha cabeça (os trens, aqui, tem tomadas para quem quiser carregar celulares/laptops/etc.). Fiquei fazendo hora até que desci e fui fazer a social. Como eles são ótimos de papo, a viagem passou rapidinho. Na hora deles desembarcarem, tirei um lenço e dei pra ela, como retribuição pela hospitalidade. O sorriso dela foi uma das (poucas?) coisas boas que vi aqui. Eles desceram na primeira das estações de Mumbai e a gente ia descer na última. Já em pé na estação, Rejheena acenou pra janela ao lado da nossa, meio que por rumo, já que as janelas tinham insulfilm. A gente podia vê-la, mas ela não. Foi fofo ver isso. Fez bem pro coração.

Descemos, fomos ao Tourism Office, ninguém sabia de nada, ficou clara a burocracia indiana, pechinchamos um táxi, "que canseira!", tudo de novo, as mesmas perguntas, "where you from", "first time in Índia", "brasile? football, ronal-l-ldo!" e a minha cara de cu, pra encerrar a conversa.

Chegando ao hotel, o motorista do táxi disse que era pra eu descer e conferir a reserva que ele iria esperar. Como o Luciano desceu, ele veio para o balcão pra ver e ficou do meu lado, como se fosse minha sombra. Delicadamente, como um elefante desgovernado e sorrindo tanto quanto eu mesmo quando estou com fome, pedi para o recepcionista esperar, paguei o tio e, mais educadamente ainda, disse a ele que estava tudo ok e que ele podia voltar para a estação pra pegar novos passageiros. Se minha mãe tivesse visto, teria chorado de desgosto com a minha gentileza para com os mais velhos.

Mas, depois de pagar sempre a mais por tudo, da "pegajosidade" dos indianos e derretendo como eu estava, quaisquer atitudes minhas estavam mais que perdoadas. Pra se ter idéia da folga deles, se você estiver batendo uma foto em público, eles param atrás de você, fungam no seu cangote, e olham por cima do seu ombro pra ver o que você está fazendo/olhando. Entendo que isso é da cultura deles mas... a paciência está no fim. E o povo oferecendo loja, artesanato, tapete, maconha? Rejheena disse pra sermos (mais) incisivos, do tipo "vim aqui de férias e não pra comprar, então saia de perto e me deixe em paz". O foda é que funciona.

O hotel deve ver sido um motel. Lindo, lindo, não é, mas nosso quarto é um caso a parte. A cabeceira da cama é estampada de zebra e tem iluminação embutida em azul-neon. As portas são do laranja-perolado com detalhes vermelhos. E pra acabar, as paredes do banheiro são listradas (código de barra) em vermelhos e laranjas. Cópia descarada de alguma Wallpaper.

Tomamos banho (pra voltarmos ao normal), pechinchamos um táxi para o MacDonald's e descobrimos Mumbai, que tem uma região chamada Colaba. É uma mistura de Havana com Rio de Janeiro. Não dá pra andar aqui e não imaginar os ingleses na sua "colônia" de férias, a beira-mar, tomando chá de limão gelado. Chiquérrima, limpa e beeem mais leve que Delhi. Não se vê tuktuks, gente cuspindo no chão. Na realidade, era tudo que a gente queria. Resolvemos mudar nosso vôo de volta para sair daqui e não de Delhi, só para termos mais tempo de flanar por aqui. Vimos o famoso Gateway of Índia, outro 'arco do triunfo' indiano e "portão da Índia para o mundo" e o Taj Hotel (pense na Dubai de hoje, mas a 100 anos atrás!). Voltamos para o hotel, demos uma geral nos planos de viagem e fomos dormir felizes.

Luxo, riqueza, poder e Taj Hotel






Cara de felicidade


Gateway of India


18.05 - Boddhgaya/Gaya > Mumbai

:: Parte I - Esperando na estação

Dormi mal, na expectativa de não perder a hora e do função do calor. 3 da manhã e eu já estava acordado. Cochilei até o celular despertar. Caí da cama e fui cuidar da vida. Tomamos café, pegamos o táxi pré-pago. Quando chegamos, o taxista pediu 200 rs, da estação até o hotel. Achamos caro e por causa disso, pegamos um tuktuk, a 100 rs. No hotel, quando o recepcionista nos disse que o táxi seria 400 rs, achamos um absurdo, mas fazer o quê? A minha (primeira) surpresa foi, ao chegar na recepção, um indivíduo qualquer dentro do táxi, como se fosse um táxi-lotação. Até aí, ok. Quando chegamos na estação, mal o motorista parou o carro, ele desceu e sumiu na multidão. Pegamos nossas coisas e o Luciano já tinha se afastado quando o "folgadinho" me disse que eu ainda teria que pagar 20 rs, do estacionamento, e ficou em pé na frente da porta, com minha mochila lá dentro, refém dele. Mais um indiano me explorando... Paguei, puto.

O trem saiu com meia hora de atraso, pra variar. De Gaya, voltamos para Varanasi, para pegarmos o trem que nos levará a Mumbai, a terra da famosa Bollywood. No trem, pudemos constatar o quanto os indianos são folgados. Nossos lugares eram o beliche de cima e o de baixo. Nos ajeitamos com as mochilas no de baixo, deixando o de cima livre, caso quiséssemos esticar. De repente, entra um folgadinho, fala qualquer coisa em hindi, sobe pra nossa vaga e se deita, na maior cara dura! Sem contar que, no beliche de frente, estavam 2 tios. Como pegamos esse trem na penúltima estação, eles tinham viajado a noite toda e estavam acabando de acordar. Só falo 5 coisas: a-intimidade-é-uma-merda! Um deles estava de sarongue, como se fosse short de pijama. Ele se levantou, abriu a mochila, tirou uma cueca, vestiu por baixo do sarongue, tirou uma calça da mochila, vestiu, não gostou, tirou outra, vestiu, não gostou pela segunda vez, tirou a terceira calça e vestiu. Tudo isso no espaço livre de 1m, entre um beliche e outro e, praticamente na nossa cara!

Aliás, esses trens indianos, depois do susto inicial, já estão começando a ficar divertidos. Descemos em Varanasi, por volta das 10h da manhã para esperar o trem que vai para Mumbai. Detalhe: o horário de partida era às 14h55. Ou seja, 4h e 55min de espera na estação mais feia de todas que passamos e isso tudo a 40 graus, no mínimo! E os mosquitos? Ficamos rindo disso, já que, no fio do carregador do celular, estava apinhado de mosquitos. Claro que fotografamos!



Tio vendendo lichia


Agora, o que nos distraiu mesmo, nas últimas duas horas e meia de espera foi uma bichinha indiana, que devia ser "brasileira, porque não desistia nunca!" Ficamos o tempo todo dentro de um café, de frente pra uma janela. Pra nós, um lugar seguro pra ver o mundo lá fora. Pra eles, dois estrangeiros/animais numa vitrine. Mas ela fazia poses inimagináveis! Ela se escorava na coluna, levantava um braço, como se fosse São Sebastião, olhava, sorria, mexia no cabelo, copiava as poses dos modelos dos anúncios de cuecas que tem aqui, do todas as estações. É impressionante!

Existem gays, sim, mas o código deles é diferente do nosso. Como os homens andam de mãos dadas como sinal de amizade, nem sempre dá pra saber, a não ser quando eles fazem questão de demonstrar. O trem chegou e nós a deixamos lá, a ver vagões... Achamos nossos lugares sem stress e vamos dividir a cabine com um casal supersimpático (Rejheen e Rejheena), que puxou papo, que ofereceu salgadinhos de arroz e que achava que a capital do Brasil era o Rio de Janeiro. Como a previsão de chegada em Mumbai é amanhã às 16h30, (sim, isso mesmo, são APENAS 24 horas e 30 minutos de viagem...), depois eu conto mais.


:: Parte II - Escrevendo no trem

Fomos conversando o resto da viagem. Contamos as nossas peripécias através da Incredible Índia e a cada quantia citada na conversa, mais óbvio e gritante ficava o "idiota" estampado na nossa testa. Pelo que eles falaram, pagamos 5 vezes mais por quase tudo que compramos/fizemos aqui. Rejheen ficou realmente indignado quando soube dos preços diferenciados pagos pelos estrangeiros. Acho que foi sincero porque ele não ganharia nada do mentir pra nós. Aliás, me pareceram pais preocupados. Na hora do jantar, fizeram questão de dividir os chapatis e o chicken masala que levaram de marmita. Foi tocante ver a preocupação deles conosco. Ajeitamos tudo e fomos dormir.

17.05 - Boddhgaya

Acordamos com o sol a pino. Tomamos café e saímos pra olhar emails, visitar outros templos, comprar umas tranqueirinhas, água (aliás, estamos consumindo uma média diária de 4 litros de água, cada um; não é muito, já que ela sai quase toda pela pele...). Voltamos ao Mahabodi com o sol a pino. Fantástico, do mesmo jeito. Ficamos um tempo, mas não vimos Pawan. O calor devia estar a uns 45 graus.









Cachorro "meditando"


Árvore da Iluminação


Quase iluminado, de calor


Templo budista tailandês


Voltamos de "bike-xá". Nessa hora, eu tive dó do neguinho que estava pedalando para nos levar, mas, ema-ema-ema... Almoçamos as 17h e ficamos esperando a hora de dormir, já que, no dia seguinte, teríamos que nos levantar às 4h da manhã. Ainda estava pensando em voltar ao templo, mas rolou um blackout e as únicas luzes na região eram do hotel, que estavam funcionando a gerador. Como estávamos no Bihar, o estado mais pobre e violento da Índia, achei melhor não arriscar, além da preguiça que bateu depois do banho. Arrumamos as coisas e fomos dormir.

16.05 - Varanasi > Gaya/Boddhgaya

Depois de uma péssima noite de sono, com medo de perder a hora, estava na hora do famoso nascer do sol no Ganges. Nanny combinou às 5h em ponto na porta do hotel, mas só apareceu as 5h40, após eu ter ligado pra ele. Lógico que o Luciano (e eu) já estávamos sem paciência nenhuma para com ele. Ele disse que teve um problema e por isso atrasou. Tentei ser diplomata, já que o Lu deixou claro que não estava mais afim de papo. Percebemos que ele estava sem paciência também, do função do tanto que ele correu para chegar aos ghats.



Chegando lá, já com o sol alto, imaginamos que teria um barco com motor, com um mínimo de infraestrutura, já que ele é pessoa jurídica. Lógico que não foi o ocorrido. Ele disse que o barco já era pré-pago e que eu devia só dar gorjeta de 20 rs na volta. Fizemos o passeio e foi impressionante ver como as pessoas usam o rio tranquilamente e a democracia do espaço, como se fosse o calçadão da praia deles. Aliás, a relação fé x cotidiano é um caso a parte.

Outro neguinho fazendo cagada


Aula de yoga à beira do Ganges


Tirando a sujeira da roupa no pau




Cotidiano no rio


















Corvo tomando café da manhã



Voltamos ao ponto de partida, entreguei as 20 rs e qual foi a minha surpresa com a casa feia do tio? Nanny não tinha combinado nada com o cara. Como eu paguei pro Mustafa, que pagou o Nanny, fiz cara de paisagem e eles que se virassem em hindi. Saímos de perto e ele resolveu com o cara. Pegamos o carro e quando falamos sobre a possibilidade de voltar ao hotel para tomarmos café porque ainda dava tempo e quando saímos a cozinha ainda estava fechada, ele foi categórico ao dizer que pegaríamos um engarrafamento e perderíamos o trem. Como ambas as partes queriam se ver livres uma das outras, concordamos e fomos esperar 4h na estação.

Tomamos um café e esperamos por 3 horas. O trem chegou e fomos procurar nosso vagão. O fiscal nos indicou um vagão e ao chegarmos lá, tinha uma família e o cara disse que tinha comprado todas as passagens. Descemos e fomos atrás de outro fiscal que nos pôs pra dentro de outro vagão e disse que era o vagão correto e que voltava depois.

Quando chegamos, os espaços estavam ocupados. (Aqui cabe uma explicação: cada cabine tem 3 lugares de cada lado sentados. Porém, se você levantar os encostos das cadeiras, o que era um sofá vira um beliche de 3 andares, e cada lugar vira uma "cama". Ou seja, na teoria, em cada cabine cabem 6 pessoas), e na nossa chegada, já tinham as 6.

Falei que ali eram os nossos lugares, mas ninguém se moveu ou olhou pra mim ou coisa que o valha. Era como se eu não existisse. Depois do stress pra tentar achar o vagão, não quis nem saber: pedi licença e fui colocando as mochilas no 3º andar e fomos sentando. No meu lado, estava uma senhora com o marido e mais um rapaz. Do outro lado, estavam 2 meninos e um senhor. E a cara de paisagem de todos continuava. Ainda bem que era só 2h30 de viagem.

Ficamos imaginando quem seriam os caras-de-pau que estavam ocupando o lugar alheio. O "trocador" veio e conferiu as passagens e elas estavam corretas. E o casal nos olhava com cara feia e a gente meio que com raiva e ao mesmo tempo, sem graça. Descobrimos quando começou o serviço de bordo. Quando o cara do almoço perguntou, os amigos responderam e a tia abriu a bolsa e começou a distribuir comida. Daí, sacamos que quem estava sobrando era a família. Se a gente tivesse aberto as camas, teríamos colocado os intrusos pra fora. Agora, já sabemos como fazer da próxima vez...

Chegamos em Gaya e foi a mesma novela de sempre: Tourism Office, motoristas, negociação de preço. Já estamos cansados disso. Aliás, chegamos à conclusão que não dá pra um estrangeiro se sentir sozinho aqui: o povo não deixa! Estamos sentindo falta do anonimato...

Fechamos com um tuktuk que nos levou até metade do caminho do hotel. De repente ele parou e disse que, ainda faltava 3km pra chegar no hotel e que isso ia aumentar o preço. Como estávamos no meio do nada, não teve jeito.

Tomamos um banho e resolvemos explorar a área. Passamos num cyber e depois fomos ao Mahabodi Temple, que tem a Boddhi Tree (a árvore debaixo da qual Buda se iluminou). Ficamos até ficar de noitão. A iluminação noturna o deixou lindo, sem contar a paz que o lugar transmite. Quando estávamos pra ir embora, um monge veio conversar comigo. Ele se chama Pawan e me convidou para meditar com ele. Como estávamos esgotados, disse a ele que, dentro do possível, voltaríamos no dia seguinte.

Templo Mahaboddhi, em Boddhigaya












Árvore debaixo da qual Buda se iluminou



























Voltamos para o hotel e me dei o luxo de encher a banheira, colocar óleos essenciais e relaxar. Foi a conta de sair da banheira e dormir...